Uma coisa que define a criatividade é a capacidade de conectar coisas aparentemente desconexas, criando uma sobreposição semântica. Essa sobreposição gera outro significado. Mais do que a soma das partes.
Até aí tudo bem... sinergismo etc.
Agora, vamos meditar nesse ponto: conectar coisas aparentemente desconexas. Aí entra a tendência que a gente chama de "autista". Detectar padrões sutis... Poder de concentração. "Organic patterns"...
Eu não sei bem mais o que é "concentração", pois no zazen aprendi a concentração em coisa nenhuma! Aliás, tenho que reconhecer que nunca, jamais realmente soube o que é a mente. Nós conhecemos o que entra e sai da mente. Ela mesma é intangível.
"The mind is a secretion of the brain".
Mas não é só "brain": o corpo inteiro tem uma mente.
Só no sentido que o corpo é um inteiro interconectado. Mas, se o cérebro adquire um defeito, a mente vai embora.
Não ela toda, mas a parte lógico-discursiva, que nós cartesianos consideramos erradamente como o todo, apenas porque é a parte dominante.
Claro, não se deve separar o resto do sistema nervoso do cérebro... Só pra ser mais conciso.
No zazen, essa parte tagarela da mente encolhe para uma posição mais equilibrada com o resto, que lida com sensações, sentimentos e outras funções não-verbais e não-simbólicas. Por isso faz tanto sentido falar em "aquietar a mente" ou "observar o ruído da mente".
No nosso dia-a-dia, a gente não lhe dá um instante de descanso, daí parece que ela é "tudo". Identificar o ego com ela é um erro sério...
Bom, acho que tem uma inversão aí...
Os modernos estudiosos da cognição agora acham que 99% da "mente" é inconsciente... inclusive que tem "rotinas inconscientes" de longo prazo, cujo ciclo demora anos...
Quando falam em "aquietar a mente", acho que referem-se a esse 1% "tagarela" (e talvez mais outro 1% semiconsciente agarrado nela).
Será possível que seja tão pequeno?
[Porque a encrenca que ele causa é grande... :) ]
Parece que sim; por exemplo, tenho um livro aqui (do George Lakoff) que argumenta isso... Ele disse que metáforas são os "bits do pensamento", e que as metáforas têm todas origem fisiológica, filtradas pelo que vem dos sentidos. Então, tem grupos enormes de metáforas interagindo, mas existe também uma imensa parte do sistema nervoso ocupada com funções autonômicas e básicas. Mas isso tudo tem uma carga evolutiva enorme; o sistema nervoso vem evoluindo há 1 bilhão de anos, a parte mamífera é uma capinha recente.
...E bugada...
Claro, é novinha (com relação ao resto). Mas os bugs são devidos quase todos a uma capinha na capinha, que é o pensamento abstrato. Mas por exemplo, comportamento social é uma coisa extremamente complicada que todo mamífero tem...
Pouco antes de ingressar no Dojo, tentei sem sucesso conversar com um Lama chamado Padma Samten, que é brasileiro e cientista. Tem um passado de pesquisa nessa área da ciência cognitiva.
Deve ser uma mistura interessantíssima, essa. Ou então, o cara fica inapto pra ambas as atividades...
O livro do Lakoff encaixa em descobertas sobre os "mirror neurons", os neurônios que os macacos usam para imitar o que outro macaco faz. Mas o lance é que animais que não tem esses neurônios não conseguem imitar o que outros fazem, nem se reconhecem no espelho. Então, a tese é que a consciência aproveitou esses neurônios pra se desenvolver; mas como eles processam conceitos 3D (movimento, posição, tempo), ficamos presos nessas metáforas.
Opa, isso é familiar!
Exato; o Lakoff analisa todas as metáforas e pensamentos e as reduz a grupos de metáforas básicas, como "mais alto é melhor"...
...E todo aquele exército de dualidades...
Sim, mas essas metáforas já existem em qualquer macaco; nossa inovação foi é fazer grupos de metáforas.
Às vezes, nosso cérebro entra em um surto de "reflexividade compulsiva". coisas como repetir deliberadamente um movimento ao contrario, coçar os dois cotovelos quando é só um que coça, etc.
Sim: isso é coisa de macaco...
A "mente" depois racionaliza o que sua parte inconsciente fez.
Eu sei que há pessoas se se deixam dominar pela "compulsão simétrica". Ela me ataca um pouquinho, mas não chega a atrapalhar.
O mal dessas compulsões é quando geram uma polaridade, um antagonismo, aí o consciente culpa o inconsciente, começa a neurose. Eu agora só penso que meu macaco interior quis fazer aquilo, e pronto.
Essas compulsões também são sintomas de flexibilidade dos circuitos metafóricos; um circuito pesca dados do outro...
Nunca tinha conseguido ver nada de positivo nisso!
Nem sei se é positivo, acho que é simplesmente um efeito colateral da complexidade do nosso "software" e "hardware"...
Por exemplo, eu tenho memória musical boa, sei meus CDs quase todos de cor, muitos consigo "ouvir mentalmente" do começo ao fim se me concentrar...
Eu também tenho essa relação com som; decoro partituras complicadissimas facilmente, nota a nota, e também os acordes.
Mas às vezes basta ouvir um barulho ou uma frase casual em certo ritmo ou tom que me dispara aquela música similar na cabeça... E acho que uma coisa é inseparável da outra, entendeu? "Organic patterns", como alguém falou ;)
Um efeito colateral é que quase sempre minha cabeça "contém" uma musica "tocando" e às vezes a maldita dura dias a fio sem parar. Mesmo ouvindo outras coisas por cima. Com o zazen, dei-me mais conta do fenômeno, porque usualmente ele apaga essa "música-chiclete" da mente; mas ela pode ter longas recaídas. O remédio usualmente é reouvi-la com muita atenção, como se passasse uma borracha na memória.
Idem aqui; especialmente de noite, às vezes atrapalha dormir, quando tenho dor de cabeça é extremamente cansativo, fica repetindo a mesma frase... Mas é quinem o barulho da sua respiração, é tomá-lo como efeito colateral ao qual não se precisa prestar atenção especial (nem positiva nem negativa).
Novamente, o "ruído da mente"...
Sim... as engrenagens do pensamento.